Matéria de supernova em laboratório
Uma equipa de cientistas do Centro de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e da Universidade de Caen, na Normandia, em França, determinou as propriedades da matéria criada em laboratório com caraterísticas semelhantes às da matéria que se forma em supernovas ou na fusão de estrelas de neutrões.
Nesta experiência, que decorreu no laboratório GANIL (Grand Accélérateur National d'Ions Lourds) no âmbito da colaboração INDRA, foi possível criar matéria análoga à que se forma neste tipo de eventos muito explosivos a partir da colisão de um núcleo de estanho contra um núcleo de xénon. Este tipo de experiências contribui para conhecer melhor as condições em que se geram e evoluem as supernovas, e a fusão de estrelas de neutrões.
Os resultados do estudo, já publicado na Physical Review Letters, revista da Sociedade Americana de Física, «permite-nos saber como é formado o meio em eventos como supernovas ou a fusão de estrelas de neutrões, e determinar de que modo é transferida a energia entre os diferentes constituintes, nomeadamente, a energia depositada na estrela pelos neutrinos antes destes escaparem para o universo. Na fusão de estrelas de neutrões, este conhecimento pode indicar qual a quantidade de material que é expelido e observado na forma de uma kilonova», declaram Constança Providência e Helena Pais, do Centro de Física da FCTUC.
Helena Pais foi a responsável pela análise dos dados experimentais que determinou as interações que ocorrem na matéria resultante deste tipo de eventos, e em que condições ainda existem pequenos agregados antes da matéria se tornar homogénea, devido ao aumento da densidade, já que «a baixas densidades, a matéria não é homogénea, e as suas propriedades determinam a evolução de uma supernova ou da fusão de duas estrelas», esclarece a investigadora.
Para uma correta interpretação dos resultados, foi ainda essencial o modelo teórico previamente desenvolvido por Constança Providência e Helena Pais.
As estrelas de neutrões são um dos objetos mais compactos do Universo, juntamente com os buracos negros. Apesar de terem uma massa comparável à do Sol, entre uma a duas massas solares aproximadamente, o seu raio não vai para além de 15 km, muito inferior ao raio do Sol, com cerca de 700 000 km. Podemos imaginar estes astros como se se tratassem de um núcleo atómico gigante.
Estrelas de neutrões formam-se em eventos muitos explosivos - as supernovas. «Este tipo de eventos liberta em poucos dias mais energia que o Sol em toda a sua vida! Atualmente pensa-se também que a formação dos elementos mais pesados que conhecemos, entre os quais os metais nobres, como o ouro e a platina, poderá acontecer quando duas estrelas de neutrões colidem», explicam as investigadoras, concluindo que, «para descrever qualquer destes eventos é necessário conhecer como se comporta a matéria estelar, desde densidades muitos baixas até densidades cerca de várias vezes a densidade de matéria no centro de um núcleo atómico».
Estas estrelas, que são constituídas essencialmente por neutrões, contêm também outro tipo de partículas no seu interior. «Além de protões e eletrões que, em conjunto com os neutrões, constituem os átomos, que nada mais são que os blocos de construção da matéria terrestre, acredita-se também que vários outros tipos de partículas, e possivelmente novos estados de matéria, alguns que podem ser criados e estudados em aceleradores de partículas, podem existir no interior destes objetos compactos», explicam Helena Pais e Constança Providência.
«Hiperões (partículas semelhantes aos nucleões mas que contêm quarks estranhos), condensados de Bose-Einstein de piões ou kaões (um tipo especial de matéria bosónica), e matéria de quarks são alguns exemplos. Matéria de quarks fria, que não é acessível no laboratório, pode igualmente existir no interior destas estrelas em diferentes fases, cada fase com propriedades únicas. É por esta razão que os físicos nucleares e de partículas estão tão interessados em estudar as estrelas de neutrões. Além disso, como estes objetos são muito compactos, também são ótimos laboratórios para testar a teoria da relatividade geral», notam.
O estudo teve financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e da ação COST PHAROS. A investigadora Helena Pais foi ainda financiada pelo LPC - Universidade de Caen, onde se deslocou em missão para fazer a análise dos dados.