NAPEEC: Contraste entre géneros na Europa no séc. XXI
No passado dia 16 de janeiro a Comissão Europeia partilhou nas redes sociais uma imagem onde o contraste entre géneros se evidenciava. Nesta publicação encontramos dois momentos, o momento da própria fotografia, onde surgem cinco mulheres com responsabilidades nas instituições europeias, entre as quais a presidente da Comissão Ursula Vonderleyn e, num outro momento, no fundo da imagem, um quadro relativo à assinatura do Tratado de Roma em 1957, onde todos os presentes são do sexo masculino. Entre dois momentos separados por 65 anos o objetivo centra-se em afirmar a necessidade cada vez mais importante no panorama atual: o equilíbrio entre géneros no que a oportunidades diz respeito.
Esta publicação teve lugar poucos dias depois de uma das instituições europeias com mais legitimidade democrática – o Parlamento Europeu – eleger uma mulher pela terceira vez na sua história como sua presidente. Roberta Metsola foi eleita 20 anos depois de Nicole Fontaine[1] que, por sua vez, se distanciou 20 anos de Simone Veil[2]. Após esta eleição, várias foram as vozes que se levantaram para congratular o facto de a liderança feminina estar presente nas instituições europeias, utilizando esta conquista como argumento para descredibilizar a emergência da igualdade de género. Por este motivo parece conveniente desmistificar esta descredibilização e provar que, de facto, ainda se evidencia a permanência de largos traços de desigualdade não só dentro das instituições europeias, bem como no quotidiano em geral.
Atualmente, as chefias dos Estados Membros da UE ainda cabem, na generalidade, ao sexo masculino, encontrando-se apenas quatro mulheres como primeiras-ministras dentro do universo dos 27: Mette Frederiksen (Dinamarca), Kaja Kallas (Estónia), Sanna Marin (Finlândia) e Magdalena Andersson (Suécia). No caso português, esta realidade apenas aconteceu em 1979, nos 6 meses do V Governo Constitucional, quando Maria Pintassilgo foi indigitada por Ramalho Eanes para exercer as funções de primeira-ministra, algo que, quanto ao cargo de Presidente da República também nunca se registou (ainda que, por exemplo, Pintassilgo se tenha candidatado).
Ainda no que diz respeito a cargos de liderança no nosso país, de acordo com o Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu[3], a banca portuguesa, embora inclua quotas de género na sua legislação, dispõe de menos mulheres nos seus conselhos de administração do que homens. Embora a quota nacional prevista na legislação portuguesa se centre nos 33% (um valor, já por si, bastante abaixo da paridade), apenas 21% são do sexo feminino, registando-se como a representação mais baixa entre os países analisados, assim como a que regista um maior desequilíbrio entre a quota e a participação. Quanto à questão salarial, o Conselho de supervisão do BCE identifica a necessidade da existência de dados públicos relativamente às diferenças salariais consoante o género, demonstrando uma particular preocupação com o encobrimento de disparidades.
A igualdade remuneratória ainda se assume, nos dias que correm, como um objetivo ambicioso. Na mesa-redonda realizada no ano passado “A importância da Norma Portuguesa da Igualdade Remuneratória na diminuição das desigualdades salariais entre mulheres e homens em Portugal”, organizada pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), salientaram-se alguns dados extremamente relevantes para compreender que a desigualdade no emprego entre sexos permanece até no campo da remuneração. De acordo com a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, o sexo feminino recebe, em média, salários mais baixos e detém menos oportunidades de receber melhores salários, embora a progressão se tenha registado positiva na última década. Em 2019 a disparidade entre género centrava-se nos 14%, “(…) o que corresponde a uma perda de 51 dias de trabalho remunerado para as mulheres, por ano”[4], isto é, para receber o mesmo salário, pela mesma função, uma mulher deveria trabalhar aproximadamente mais um mês e meio do que um homem. Assim, torna-se evidente que, num quadro de justiça social e igualdade, não podemos continuar a aceitar trabalhos iguais remunerados de forma diferente tendo como fator de diferenciação, única e exclusivamente, o género.
Em março de 2020 a Comissão Europeia, assumindo esta questão como um problema comum, colocou a igualdade de género no topo da sua agenda política através da “Estratégia para a igualdade de género (2020-2025)”. No relatório da estratégia[5] podemos encontrar dados idênticos aos de 2019 para Portugal (apresentados previamente). O mesmo demonstra que na UE o sexo feminino recebe, em média, menos 16% por hora do que o sexo masculino e, em relação à empregabilidade, apenas 67% das mulheres têm emprego, um número que deixa bastante a desejar em comparação com os 78% do sexo masculino. Quanto a trabalhos de direção, somente 7,5% dos presidentes dos conselhos de administração e 7,7% dos diretores executivos são mulheres.
Embora a igualdade de género esteja, paulatinamente, a alcançar avanços, não podemos considerar que esta realidade já não seja um problema dos dias que correm, sobretudo com a persistência na sociedade de opiniões e ideias ainda tão contrastantes, como podemos comprovar através de dados do relatório da Comissão[6]: na UE o sexo feminino despende 22 horas por semana em tarefas familiares e domésticas, enquanto que o sexo masculino despende apenas nove horas; 44% dos europeus consideram que a mulher detém um papel central nos cuidados da casa e da família, enquanto que 43% dos mesmos consideram que o papel central do homem é receber dinheiro, papeis claramente estereotipados.
Ainda que possamos salientar uma evolução associada ao facto de as instituições europeias estarem a ser encabeçadas por mulheres, não deveremos considerar, à luz do que temos apontado, que este é um sinal de que a desigualdade já não se evidencia. Ao invés, temos de salientar a existência de uma dinâmica evolutiva que tem tanto de necessária como de urgente. Fazendo referência a Roberta Metsola a título de exemplo – uma vez que antes de ser eleita como Presidente do Parlamento Europeu, Metsola defendeu ideias que deixam bastante a desejar em relação à igualdade de género –, só podemos afirmar que estamos perto do equilíbrio quando não forem necessários outros 20 anos para que uma mulher seja eleita novamente como representante de uma instituição europeia. É preciso equilibrar os géneros pondo termo a contrastes evidentes como, por exemplo, os referidos na publicação da Comissão, mas, de facto, para isto, é indispensável evoluir no que a perceção social diz respeito.
NAPEEC | Madalena Santos
[1] Presidente do Parlamento Europeu entre 1999 e 2002.
[2] Primeira presidente do Parlamento Europeu, exerceu o cargo entre 1979 e 1982.
[3] Notícia na integra em: https://expresso.pt/economia/raio-x-a-banca-portugal-desaponta-bce-na-igualdade-de-genero/ (Acedido a 10/02/2022).
[4] Notícia na íntegra em: https://www.cig.gov.pt/2021/11/dia-nacional-da-igualdade-salarial-demonstra-assimetrias-ainda-existentes/ (Acedido a 11/02/2022).
[5] Ficha técnica na íntegra em: https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/aid_development_cooperation_fundamental_rights/gender_equality_strategy_factsheet_pt.pdf com base no relatório: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52020DC0152&from=EN (Acedido a 11/02/2022).
[6] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52020DC0152&from=EN (Acedido a 11/02/2022).