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Oblast de Kaliningrado – Um ponto de rutura

Königsberg, Królewiec, Karaliaučius, Kaliningrado, vários são os nomes para a região que se tornou um dos maiores focos de tensão no conflito Russo-Ucraniano. O oblast de Kaliningrado é o ponto mais ocidental da Federação, lar da Frota do Báltico, a casa de aproximadamente 1 milhão de cidadãos russos e, atualmente, completamente isolado da Terra-Mãe. No entanto, a história deste exclave remonta a muito antes de 24 de fevereiro de 2022.

 

            Konigsberg, inicialmente fundada pela Ordem dos Cavaleiros Teutônicos de Santa Maria de Jerusalém no ano de 1255 num antigo assentamento prussiano, solidificou a sua posição enquanto uma das cidades de renome na Europa Medieval, tornando-se parte da Liga Hanseática em 1340 e afirmando-se nas dinâmicas comerciais na região. Por entre conflitos, crises sociais, económicas e políticas, Konigsberg ao longo de vários séculos foi uma simples peça de puzzle nos interesses estatais das monarquias europeias até que, eventualmente, se integraria no seio do Império Alemão no ano de 1871 ao longo do processo de unificação da Alemanha. Com a derrota em 1918 das Potências Centrais na 1ª Guerra Mundial e a fundação da República de Weimar, o território da antiga Prússia acabou, graças ao corredor de Danzig, isolado do resto do território alemão. Por razões menos felizes a região viria a ganhar protagonismo uma vez mais, com a proliferação das SA Nazis, tornando-se num dos principais redutos no jogo político de Adolf Hitler e dando palco a infames perseguições tanto à população judaica como polaca ao longo da 2ª Guerra Mundial.

 

            É precisamente no ano de 1945, assinalando o fim do conflito, que a região testemunhou um importante ponto de viragem. Na sua “Corrida até Berlim”, a União Soviética levou a cabo um processo de russificação numa série de regiões anexadas ao Reich Alemão, não tendo sido Königsberg uma exceção. Somando ao êxodo da população alemã meses antes da chegada dos soviéticos, uma política de expulsão de populações estrangeiras (entre 1946 e 1949), rapidamente a cidade e a região circundante se alteraram demograficamente – a antiga Prússia acabaria divida entre a República Socialista da Lituânia, a Polónia e a URSS – oficializada em 1946 com a mudança de nome para Kaliningrado em honra ao falecido Mikhail Kalinin. Com a desintegração da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1991, formou-se brevemente uma janela de oportunidade para acertos territoriais, tendo Kaliningrado estado no foco das mesmas por momentos. No entanto, o recém-formado governo Lituano considerou que a integração da predominante população russa seria um problema a longo prazo e dispensou a região, tendo-se sucedido o mesmo com o governo Polaco, condenando o território a administração da Federação Russa.

 

            No entanto, no final de contas, por que razão se assume o oblast de Kaliningrado como um foco de tensão e um possível ponto de rutura no caso de uma ocidentalização do conflito russo-ucraniano? Não só tendo em conta que no caso de um envolvimento militar entre a OTAN e a Federação Russa o mesmo pode ser usado como ponto de lançamento de Mísseis Balísticos para o seio da Aliança, há que ter em conta outro aspeto fulcral – o corredor de Suwalki. Esta pequena distância de 70 km entre o exclave e a Bielorrússia, principal aliado do executivo de Putin, constituído principalmente por densa florestação e quase inabitável, pode significar em termos militares um isolamento completo dos 3 estados bálticos da Aliança - Estónia, Letónia e Lituânia. Observando a questão através de uma ótica naval, a Frota do Báltico dominaria todo o espaço marítimo circundante enquanto territorialmente falando, os 3 países ficariam completamente isolados do apoio militar e logístico da OTAN caso as forças armadas russas e bielorussas conseguissem capturar rapidamente estes pequenos 70km de distância. Este cenário pessimista acabaria por representar uma impossibilidade de distribuição de uma série de matérias e produtos essenciais, sem abordar a questão do fornecimento ocidental de material bélico, algo que se revelou indispensável no território ucraniano e no suporte da resistência ucraniana às forças invasoras. Assim, este calcanhar de Aquiles da OTAN, presenciou uma acumulação de poder de fogo em ambos os lados da fronteira, um barril de pólvora à espera de uma pequena faísca.

 

O que o futuro aguarda em relação a Kaliningrado é bastante incerto e perigoso simultaneamente, há que manter em mente alguns aspetos e conceitos fulcrais que abordámos ao longo deste artigo, pois uma vez mais podemos estar a presenciar a construção e a escalada de um novo conflito, maior e mais destrutivo, que afetará certamente a esfera internacional na sua totalidade, seja militarmente, economicamente ou politicamente. 

Autor: José Machado, Membro do NAPEEC.