"Histórias das Gentes da Baixa de Coimbra" por Nuvideia. Capítulo 8: D. Maria da Luz
Enquanto aguardávamos para conversar com a D. Maria da Luz, atual proprietária de um dos cabeleireiros mais antigos da cidade, ela terminava um corte de cabelo à D. Odete de 89 anos. As gerências foram mudando, mas a D. Odete manteve-se fiel desde os 18 anos, mesmo morando do outro lado da cidade. Percebemos logo que a conversa com a D. Maria da Luz ia ser boa e cheia de memórias, como nós gostamos.
Começou por nos contar que foi aos 14 anos que veio trabalhar para o salão, na altura chamava-se “Cabeleireiro Monteiro” porque foi o senhor Monteiro que o abriu na década de 40. Iniciou como moça de recados, “ia ao Nicola buscar galões para as clientes ou ia buscar pão”, havia sempre muito que fazer, recorda.
Vale lembrar que nesta altura ainda não havia a oferta que há hoje de cabeleireiros, por isso, a procura era muita. “Aqui no salão chegámos a ser 8 cabeleireiras”, hoje é só a D. Maria da Luz. Para quem, como nós, não viveu estes anos, é com surpresa que ouve as histórias sobre como eram as alturas de festa nos salões de cabeleireiro.
Conta-nos que no Natal, Ano Novo ou Queima das Fitas havia enormes filas de senhoras à porta do salão para conseguirem arranjar o cabelo. As filas eram tão grandes que na Noite de Passagem de Ano, por exemplo, as clientes vinham preparadas com Bolo Rei, champanhe e passas porque sabiam que havia uma enorme probabilidade de ainda estarem à espera para arranjar o cabelo à meia noite. E, segundo a D. Maria da Luz, muitas vezes ainda estavam mesmo. Do cabeleireiro seguiam para as festas de ano novo. É incrível, não é? São momentos como este que lhe deixam uma enorme saudade.
Mas voltando à história do Salão, depois do senhor Monteiro sair para se reformar foi o seu filho e a sua sobrinha, a menina Leonor, que ficaram à frente do negócio. Pouco tempo depois, o filho também teve de sair por motivos de saúde e ficou só a menina Leonor como proprietária. A menina Leonor ficou no salão até aos 87 anos e sim, mesmo com 87 anos ainda atendia clientes. Quando saiu, a D. Maria da Luz assumiu o cabeleireiro. “Para onde é que eu ia? A minha vida foi toda aqui”. A trabalhar no salão desde os 14 anos, os filhos estudaram na escola de Almedina e depois iam para ali, para junto da mãe, até ser hora de fechar e regressar a casa. Quando assim é, o local de trabalho deixa de ser só isso para ser também refúgio e lugar de grande parte das memórias de uma vida.
Muitas clientes ainda são as mesmas de quando começou como moça de recados, como é o caso da D. Odete que aguarda para secar o cabelo enquanto conversamos e, pontualmente, também ela, vai partilhando as suas memórias de outros tempos.
Hoje, o Cabeleireiro Maria da Luz tem clientes de há 70 anos e outros que acabaram de chegar mas o que este espaço tem são, principalmente, bonitas histórias de amizade. Nos últimos 40 anos já se partilharam tantos momentos bons e menos bons entre as paredes do salão que não tem dúvidas ao afirmar que as clientes são as suas amigas. Ficou por aqui a nossa conversa com a certeza de que muito mais histórias ficaram por contar mas estava na hora de terminar o cabelo da D. Odete.