Richard’s
Sinopse
Acabou a guerra entre os Iorque e os Lencastre, e tudo é festa na Inglaterra, para descontentamento de Ricardo, terceiro na linha de sucessão do trono. Na sua corrida para ser rei no lugar do irmão mais velho, Ricardo faz inúmeras vítimas, entre elas irmãos e sobrinhos. Sem a proteção dos homens, quatro figuras da corte têm de escolher de que lado estão na disputa pela coroa. A própria mãe, a Duquesa de Iorque, renega Ricardo. A atual rainha, Elizabeth, casada com o irmão mais velho de Ricardo, tenta denunciá-lo e, depois de enviuvar, finge aliar-se a ele. Margaret, a rainha deposta, que viu os Iorque matar o marido e o filho, deseja vingança. A nora de Margaret, a ex-princesa Anne, casa com Ricardo, apesar de ser ele o responsável pela morte do marido. Divididas e hesitantes, as quatro mulheres unem-se em torno de um desejo comum: a queda do infame Ricardo III, comparado a um galo de luta, a um cão danado, a um porco selvagem, a um cavalo ferido.
A ação decorre no Séc. XV, na Inglaterra, mas poderia ser em Portugal (afinal estes Lencastre são os mesmos da família de Filipa de Lencastre, casada com D. João I, o Mestre de Avis), em qualquer momento da história em que, enquanto há festa, alguém conspira para tomar o poder.
As quatro atrizes deste espectáculo tentam apropriar-se dos pensamentos, palavras, atos e omissões das quatro rainhas da peça de Shakespeare. Crentes de que conseguirão descobrir o melhor caminho para sobreviver às aparentes paz e prosperidade trazidas pelo fim da crise, mas igualmente crentes de que será preciso alguém com muita força para governar o país quando a crise vier de novo, estas mulheres farão de tudo. Entregues aos festejos, às tarefas domésticas, aos negócios particulares, à administração das casas, à reunião de condomínio, às feiras de artesanato, à banca gourmet, ao check-in no airbnb, às redes sociais, às capas de revista, aos programas da manhã, aos reality shows, à cartomancia, à quiromancia e à necromancia, estas mulheres terão de se desunhar para sobreviver quando a crise voltar, como todos sabem que vai voltar. A maior luta que irão travar, porém, será para se libertarem dos preconceitos e estereótipos que as aprisionam ao seu papel de mulher, tanto na ficção quanto na realidade. Só aí terão deposto o fascista Ricardo III que há em cada um de nós (e delas). Haja fé.
RICHARD’S
Dizem as quatro cientistas: “A investigação policial e judicial sobre o qual aqui nos dedicamos tem como ponto de partida o Ricardo III, do Shakespeare. Shakespeare se inspirou num fato trágico para compor esta biografia do rei que ficou conhecido como encarnação do mal e que seduziu tanta gente ao longo destes quase quinhentos anos. Shakespeare, como Tchecov e como Brecht, escreve em ocasião e a partir de profundas mudanças que estão sendo processadas na história, na organização política e social, no jeito dos homens de viverem. No caso de Shakespeare, a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, na Inglaterra monárquica. O grande interesse de Shakespeare, seus reis, rainhas, príncipes e princesas é o poder, os mecanismos do poder e suas escaramuças. Ricardo III, o rei, já havia sido biografado por Thomas More e é nele que Shakespeare se nutre para contar a historia do guerreiro general que morto aos trinta e dois anos, vai se transformar no mito que toda a gente conhece”.
Notas de imprensa datadas em 2015:
“Ricardo III, o rei inglês vilipendiado por Shakespeare e cujos restos foram achados em um estacionamento de Leicester em 2012, foi enterrado nesta quinta-feira (26) na catedral desta cidade.
O último monarca inglês morto em combate – na batalha de Bosworth, em 1485, que pôs fim à guerra civil das Duas Rosas e supôs a chegada ao trono dos Tudor em detrimento dos Plantagenet-, foi alvo de uma grande cerimônia antes de receber sepultura neste templo que começou a ser construído no século XI.
Prosseguem as investigadoras: “Como todo trabalho científico, este também tem lá as suas peculiaridades. A bem da verdade e da ciência legista e criminal, é necessário aponta-las. Como existem muitas versões a respeito da vida e morte do nomeado Ricardo, e no sentido de prospectar a verdade, houvemos por bem circunscrever a experiência aos fatos, provas, documentos e objetos da época, desprezando versões e julgamentos de autores, por mais privilegiados que fossem, como o do festejado William Shakespeare.
Vejam que, no original shakespeariano, o narrador é o próprio protagonista, fazendo do leitor/espectador seu confidente. Assim, ele narra cruamente a sua versão dos fatos. Supostamente, é absolutamente sincero e, talvez venha daí a veneração publica durante séculos pela prédica de tal personagem. Ao se declarar como culpado de centenas de crimes, inclusive regicídios, fratricídios, infanticídios e feminicídios, o real genocida talvez conquistasse a compaixão dos interlocutores. Daí seriam dois passos para sua redenção pública e descanso para sua alma atormentada e seu esqueleto corcunda. O mal encarnado no rei com problemas graves de escoliose nos purgaria de nossas escolioses de corpo e espírito. Seria o Rei Ricardo na versão shakespeariana primo distante do cruel Creonte do grego Sofócles?”
No entanto, a bem da verdade, houveram por bem as investigadoras desconsiderar as supostas confissões íntimas, levando em conta somente os documentos públicos que revelavam Ricardo primeiramente como estratega militar da mais alta competência, segundamente como homem da corte preocupado com os destinos do país, terceiramente enquanto tutor dos príncipes e portanto como administrador do reino – gerente digno de atitudes corajosas e radicais. Por último, e por trágicas circunstâncias, levado ao cargo máximo do reino.
As circunstâncias trágicas, que aqui se fazem notar, dizem respeito ao misterioso desaparecimento do herdeiro da coroa, do qual era Ricardo tutor, fato que vai levá-lo ao trono. Um crime que abalou toda a sociedade inglesa da época e que repercutiu durante décadas, sendo então reaproveitado por Shakespeare em sua famosa obra. Mas porque teria Ricardo, plenipotenciário, sacrificado o príncipe imberbe, na flor de seus doze anos, se já gozava de todas as prerrogativas da coroa como tutor?
Devolve-se a palavra às investigadoras na figura da Elisabete, à testa da valente equipe de procuradoras, que de forma curiosa é descendente direta da rainha Elizabeth, personagem da trama shakespeariana: “Embora o caso estivesse arquivado há muito tempo, uma vez que o suposto réu há séculos já se finara, peticionamos ao Ministério Público no sentido de reabrir as investigações, inclusive porque é tido e sabido que na obra de Wiliam Shakespeare, as vozes mais débeis eram sempre a das mulheres. Como já dissemos acima, o narrador, Ricardo III, apresenta a sua versão dos fatos, que não necessariamente corresponde à realidade. É nosso papel, não só como agentes públicas, mas como mulheres, como mães, como cidadãs, resgatar à sociedade a memória real, libertando-a da virtualidade das fofocas, dos mexericos, dos disse-que-disse. O conhecimento do passado nos permitirá orientação e propedêutica com relação à instrumentalização e modernização de diplomas de lei no presente imediato, apontando o caminho para um futuro radiante que o país merece. Não era senão outra nossa pretensão quando da reabertura do inquérito que tantas dores-de-cabeça nos iriam trazer. Não se suponha aqui qualquer parcialidade no sentido de ilibar esta ou aquela personagem. Seja Ricardo culpado ou inocente, mandante ou responsabilizado mesmo que por atos de oficio desconhecidos, trabalhamos dentro das mais modernas técnicas periciais e judiciais. A instrução permitirá o julgamento mesmo que não haja a materialidade de provas, mas pela novíssima teoria de domínio dos fatos, onde só a proximidade do local do crime já permite condenação do réu.”
Não no sentido da espetacularização e mediatização do caso, mas tendo por escudo e objetivo uma metodologia de exemplaridade, com vistas à educação geral que um caso rumoroso como esse possa promover, as investigadoras, generosamente facultaram à visitação e testemunho público todos os procedimentos levados a cabo na busca da verdade. Numa sociedade que se pauta cada vez mais pela promoção dos valores de transparência, que faz parte da grande cruzada nacional anti-corrupção, a inauguração deste tipo de procedimento pode ser saudada como uma contribuição inovadora ao Direito Internacional. Assim, os cidadãos interessados no processo podem acompanhar a faina cotidiana e exaustiva das investigadoras dentro da própria sala de investigação, tendo acesso às provas materiais, aos indícios e às testemunhas. No âmbito ainda do sucesso do trabalho as investigadoras fazem questão de frisar todo o apoio e incentivo do poder central da República que não olvidou esforços e recursos para que esta ação meritória chegasse a bom termo. Nunca é demais relembrar que o atual mandatário chefe da nação proporcionou e promoveu a tão desejada paz nacional ao combater e vencer seu antecessor de análoga e sanguinária memória.
4 a 18 abr
qua a sáb · 21h30
dom · 19h00
Sala Grande
4€ a 10€
aprox. 1h45 min
m14
+ info
reservas@oteatrao.com
ou
912511302
Ficha Artística e Técnica
Tradução · Jorge Louraço Figueira
Dramaturgia · Jorge Louraço Figueira e Marco Antonio Rodrigues
Encenação · Marco Antonio Rodrigues
Interpretação · Cláudia Carvalho, Isabel Craveiro, Margarida Sousa e Mónica Cadete
Músicos · Rafael Silva, Ricardo Brito e Victor Torpedo
Cenografia e figurinos · O Teatrão
Assistência de Cenografia · Ana Bárbara Queirós
Desenho de luz · Jonathan Azevedo
Direção musical · Victor Torpedo
Vídeo · Rui de Almeida
Design gráfico · Paul Hardman
Fotografia · Carlos Gomes
Cabeleireiro · Carlos Gago (Ilídio Design)
Construção de Adereços · Cristóvão Neto
Construção de Cenário · José Baltazar
Costureira · Fernanda Tomás
Direção de produção · Cátia Oliveira
Direção técnica · Jonathan Azevedo
Comunicação · Isabel Craveiro, Margarida Sousa e Raquel Vinhas
TEATRÃO 2019 – 25 ANOS