A União Europeia Energeticamente Exógena – (In)Segurança Energética da UE

A Guerra entre a Federação Russa e a Ucrânia reabriu o debate sobre a segurança energética da União Europeia, entretanto adormecido após as crises do gás russo-ucranianas. A dependência externa, a fiabilidade dos fornecedores, a segurança dos territórios de transito e produtores, os preços e acessibilidade à energia na UE, o destino dos resíduos, a transição energética, a diversificação do mix energético e a eficiência energética estiveram no foco do debate aquando da tomada de posse da Comissão von der Leyen devido, principalmente, ao peso que a dimensão energética possui no seio da política ambiental da UE. Todavia, no rumo para a Europa Sustentável de 2030, o conflito violento entre a Federação Russa e a Ucrânia parece abrir portas significativas para a alteração do mapa de fornecedores e estados transito de recursos energéticos da UE, ao nível, pelo menos dos hidrocarbonetos.

            A Cimeira de Versalhes, de 11 de março de 2022, lançou o objetivo da UE, confirmado pelos 27 Estados-Membros, de libertar a UE da dependência de importação de hidrocarbonetos face à Federação Russa. Neste ponto, deve destacar-se que em 2017 a Federação Russa representava 30,3% das importações de crude da UE, 39,8% das importações de gás-natural dos então 28 Estados membros. Note-se, ainda, que também em 2017 a União Europeia importava, no seu todo, 57% dos recursos energéticos que consumia, segundo dados do Eurostat.

            Versalhes afigura-se como um momento de disrupção face ao mapa energético europeu anteriormente estabelecido, com a consciência do que a (in)segurança energética da UE significa para a sua competitividade e para o desenvolvimento económico e humano sustentável.

            Assim, a UE parece aproveitar esta crise para romper com um ciclo político anterior, como uma oportunidade para contestar o modelo anterior de dependência excessiva perante um único ator. Contudo, importante não esquecer que a UE é também dependente de outros atores altamente instáveis e com um elevado número de problemas internos no que à segurança e ordem interna do estado dizem respeito, como por exemplo a Líbia e Argélia. A Líbia é um estado que nunca saiu realmente da guerra civil e onde internamente existem múltiplas soberanias em conflito e para agravar a situação o estado libanês reconhecido a nível internacional não possui um controlo efetivo sobre o seu território.

            A referida instabilidade no norte de África espalha-se até à Europa e alarga-se ao espaço do Mediterrâneo a nível da segurança energética. Pois, o sul da Europa (Portugal, Espanha, Itália, Sardenha e Creta) não é dependente energeticamente nem da Rússia, nem do Cáucaso, mas sim do norte de África, em termos de gás natural, por isso importa refletir se relativamente a estes fornecedores e territórios de transito não se levantam as mesmas questões sobre a fiabilidade dos fornecedores.

            Muito embora este momento disruptivo para a segurança energética europeia e para as orientações para a política energética, devemos, por outro lado, perceber que a Federação Russa mantém uma verdadeira rede associada à comercialização, produção, transporte, compra e armazenamento de hidrocarbonetos, da qual a UE participa. Pagamos a energia mais cara do mundo, mas isso concebeu vantagens, pois a dependência face à Rússia pode atuar em dois domínios, por um lado pode ser um fator que estimule o diálogo e a cooperação internacional entre as duas potências mundiais, mas, por outro lado, em matéria de diplomacia pode significar uma vantagem estratégica para Federação Russa ou, como assistimos, uma arma estratégica em situação de conflito.

Por outras palavras, a vontade política em conceber um novo rumo à segurança energética da UE, expressada em Versalhes pelos Chefes de Estado e de Governo da UE, pode promover políticas, cujo resultado seja, cômputo geral, a perpetuação da (In)Segurança Energética da UE. Pois, sendo que nenhum estados-membros da UE é autossuficiente no plano da energia, os principais problemas permanecem por resolver. Entre eles, o elevado índice de dependência energética da União Europeia, a elevada dependência de um conjunto de atores (até aqui era a Federação Russa), a dependência de atores demasiado instáveis (Líbia), uma matriz energética fortemente baseada nas energias fosseis (carvão, petróleo e gás natural), parca cooperação entre os estados-membros no domínio da energia e pouco investimento na construção de um mercado energético comum onde se preveja todas as etapas do processo produtivos, transporte (através de uma rede homogénea e ligada a todas as partes da União), consumo, utilização, destino dos resíduos, bem como todos os riscos associados a cada uma das fases.

            Pelo exposto, aumentar a dependência de atores como a Algeria e a Líbia, que em 2017, já representavam, em conjunto, mais de 12% das importações de gás-natural da UE e 4% das importações de crude não se afigura uma trajetória que coloque a UE no sentido da maior segurança no plano energético. A limitação das infraestruturas portuárias para receção de crude e gás-natural liquefeito embora com algum potencial possível de expandir também apresentam limitações para serem uma verdadeira alternativa credível, dado o volume de importações da UE, contrariamente ao que o governo português procura vender de “Sines a alternativa para o abastecimento da Europa”.

            Contudo, existem trajetórias políticas possíveis, como a importação de Shale Gas a partir dos EUA, o aumento da eficiência energética, a criação de um mercado comum de energia e de uma verdadeira política energética comum ao nível dos 27, bem assim a União Europeia deve valorizar e gerir racionalmente os recursos dos estados-membros (Itália, Dinamarca, Alemanha…) e celebrar acordos bilaterais com os outros países europeus (Noruega e Reino Unido, entre outros) produtores de hidrocarbonetos, apostar no nuclear como energia segura e limpa e, promover a transição energética gradual a longo prazo para reduzir os efeitos na economia e oscilações de preços.

            Por fim, creio importante destacar o papel que o gasoduto EastMed (Eastern Mediterranean pipeline), para a segurança energética da União Europeia a médio e longo prazo. Dado que, o gasoduto EastMed vai permitir uma verdadeira diversificação das fontes que abastecem Itália, mas também a Europa de leste. Itália ficara menos dependente do norte de África ao passo que a Europa de leste (Grécia e Roménia) fica menos dependente da Rússia. Este é o primeiro projeto, que após o fracasso do gasoduto do Nabucco, visa uma verdadeira diversificação das fontes que abastecem a União, no que diz respeito ao gás natural. Por isso, é um projeto com uma grande significação e que poderá elevar o patamar da segurança energética da União Europeia, numa trajetória na qual a procura por gás-natural continuará a aumentar, a procura de crude tenderá a manter-se, perante as limitações geofísicas para aumento da capacidade instalada dos renováveis na Europa.

Autor: Leonardo Diogo de Oliveira, Licenciado em Estudos Europeus com menor em Geografia pela FLUC, Mestrando em Relações Internacionais – Estudos para a Paz, Segurança e Desenvolvimento pela FEUC, membro do NAPEEC.

           

 

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