Conheça Cândido Jacob, e a arte de ser “luthier”!

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Estivemos à conversa com o luthier Cândido Jacob e a perceber um pouco mais sobre o universo da construção e reparação de instrumentos de corda.

Estudei e trabalhei em arte contemporânea até 2011, mas os sons do Blues e do Folk ressoavam cada vez mais dentro de mim, pela sua crueza, pela sua verdade. O interesse e a curiosidade por ofícios artesanais e pela construção de instrumentos já vinha de longe, e decidi então, neste mesmo ano, dedicar-me à construção de guitarras acústicas. Construir guitarras tornou-se então uma paixão, um cruzamento perfeito entre criatividade, habilidade e prazer!

Entre 2011 e 2012 frequentei e estagiei no atelier do luthier Fernando Meireles em Coimbra, e entre 2012 e 2013 no atelier do luthier Ludovic Barrier em Paris. Em 2013 monto o meu atelier em Coimbra e inicio a minha actividade como construtor independente.

 Cândido, conta-nos o que fazes e que profissão é esta, a de Luthier?

“Luthier” é um artesão especializado na construção e reparação de instrumentos de corda...basicamente é esse o dia-a-dia na minha oficina: reparo os instrumentos que chegam e necessitam de alguma intervenção e construo os meus - guitarras acústicas e clássicas, por encomenda.

 Como é que começa o teu percurso neste universo? Estás ligado à música? Tocas algum instrumento? Qual a tua formação?

Eu sempre estive ligado à musica. Em criança, comecei por aprender órgão, piano, passando pela guitarra e pela bateria. Ocupei o lugar da bateria da banda Bodhi durante vários anos. No entanto, o instrumento que durante anos me acompanhou e sempre me motivou, foi a guitarra...talvez pela questão de ser um instrumento móvel e de o poder levar para onde quer que eu fosse!

 Relativamente à minha formação, fui estudante de Humanidades, quando acabei o secundário só via dois caminhos para o ensino superior, estudar Educação Musical ou História da arte, mas como nunca quis ser professor, acabei por optar pela segunda opção e enveredar pela investigação. Estudei História da Arte, estive no meio alguns anos, não me despedi dele, continuo a ser grande apreciador e espectador, mas a música sempre ressoou mais alto... e agora construo guitarras!

 Quando sentiste que o gosto pela construção de guitarras se tornaria na tua profissão?

 Eu sempre tive um grande fascínio por guitarras, tanto a nível estético, como sonoro, saber como funcionavam e como repara-las foi o ponto de partida. A partir do momento em que comecei a trabalhar na primeira guitarra, senti que era isto que eu procurava, mesmo não sabendo se iria ter futuro, senti que esta ia ser a minha profissão. Sabes aquela frase batida que diz “Escolhe um trabalho que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia da tua vida” é isto, todos os dias... sou um cliché muito realizado!

 Qual foi a tua primeira encomenda? Para quem?

A minha primeira encomenda, não foi bem uma encomenda porque estava a construir por iniciativa própria e a inaugurar a oficina, foi para o meu irmão. No entanto, a primeira encomenda de uma guitarra feita à medida veio, nesse mesmo ano, do Senhor vulcão (Bruno Pereira), a pequena “Avalanche”.

 Quanto tempo em média é requerido para criar uma peça de raiz? Fala-nos do processo!

Em média construo uma guitarra em dois meses. Poderia ser um processo mais rápido, mas a reparação de outros instrumentos, acaba por ocupar parte do tempo e espaço disponível na oficina!

Sou bastante criterioso e metódico, desde o primeiro momento. Inicialmente, faço um desenho de como vai ser a guitarra, faço a escolha das madeiras e materiais adequados, seguindo os requisitos do cliente. Depois de ter tudo já definido, começo a construir: construo um molde em madeira, calibro a madeira à espessura adequada, desenho e construo a roseta do tampo, são coladas as barras harmónicas e reforços com cola animal (feita por mim). Entretanto, são dobradas as ilhargas num ferro quente às quais vão ser colados o fundo e tampo, depois de trabalhados de maneira a dar a maior sonoridade possível ao instrumento. O braço da guitarra é trabalhado à parte, encaixado e colado no corpo da guitarra. Tudo isto respeitando pequenas regras básicas de como se trabalham os materiais, medidas, etc.

Quando a guitarra está completa a nível estrutural, é lixada até à lixa mais fina e é dado o acabamento, ou goma-laca, que  também faço na oficina, ou óleo-verniz. Depois do acabamento, é colado o cavalete, são instalados os afinadores, feito o encordoamento e , ansiosamente, espero pela primeira nota.

Quais foram os seus trabalhos mais desafiantes? Qual foi a guitarra mais impressionante que te passou pelas mãos?

 Todos os trabalhos acabam por ser desafiantes, nunca construo guitarras iguais e todas são uma caixa de surpresas... Mas talvez tenha sido a primeira Lap-Steel que construi, por ser um desafio, por ter pouca experiência como construtor e por ter uma caixa bastante comprida, o que dificultava a colagem...Tive que investigar, estudar e ter o triplo da calma, mas o resultado foi muito compensador.

A guitarra mais impressionante que me passou pelas mãos, não na minha oficina mas numa oficina em Paris, foi sem dúvida uma guitarra archtop Gibson construída no início do século XX: o seu estado era perfeito e a sua construção, dentro da sua simplicidade, eficaz, até porque tinha mais de 90 anos sem nenhum problema estrutural! Além disto, era uma guitarra muito bonita e, seguramente, repleta de voz.

 Dá-nos alguns exemplos de trabalhos que tenhas feito.

 Bem, além da guitarra para o Senhor Vulcão (entretanto já lhe construi mais duas), construi para o Pedro Gonçalves (Dead Combo), para o Frankie Chavez, para o Neev, para Os Quatro e Meia...entre outros. Na verdade, todas os minhas criações estão em boas mãos.

 Trabalhas sozinho? Como é este processo solitário?

 Sim, trabalho sozinho e gosto de trabalhar assim! Permite-me focar no trabalho...além disso, estou sempre acompanhado pela música! Regularmente vou tendo visitas de amigos músicos e clientes, o que permite contrabalançar com a calma do resto do tempo.

 Quais os maiores desafios que esta arte se depara? A extinção?

Não creio que este oficio lute contra a extinção, até porque haverá sempre pessoas a construir instrumentos de excelência, que façam face à industria da fabricação de instrumentos em massa. Haverá sempre músicos e clientes dispostos a ter um instrumento feito à mão, com bons materiais e à medida...ou seja, um instrumento único!

Agora, penso que um dos desafios será o de encontrar bom material e a um preço acessível para se poder continuar a construir. O material é muito caro, tem muitas vezes de ser importado, tanto a nível de madeiras como a nível de ferramentas!

Se é que podemos saber, que trabalho tens em mão neste momento e como tens planeado os próximos tempos? Tem havido procura num momento em que a indústria do espetáculo está parada?

Agora estou a começar a construir uma Parlour, uma guitarra acústica de pequeno formato para um cliente que já tem uma guitarra ( barítono) minha na sua coleção. Os próximos tempos já estão preenchidos com algumas encomendas e apesar deste período atípico estou muito grato, pois tive alguma procura. Este período de incerteza é tramado e também senti isso nos clientes, essa hesitação......mas agora espero que tudo volte à normalidade, sem novo normal, que eu já tenho saudades de ver um concerto!

 

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